sábado, 26 de junho de 2021

CARTA ENCÍCLICA "DEUS CARITAS EST"- BENTO XVI

CARITAS – A PRÁTICA DO AMOR PELA IGREJA ENQUANTO "COMUNIDADE DE AMOR" (Parte II)


     Dando continuidade ao nosso breve estudo sobre esta Encíclica, buscaremos nos aprofundar agora na segunda parte deste documento, escrito pelo Papa Bento XVI, durante seu pontificado. Em resumo, nesta segunda parte o papa Bento XVI trata diretamente sobre o "serviço da caridade". Retomando o que foi tratado na primeira parte desta Encíclica, o enviado de Deus, Nosso Senhor Jesus Cristo, tornou-se homem para morrendo na cruz redimir toda a humanidade. Na consumação de seu sacrifício, o Senhor entregou seu Espírito, para que este fosse derramado sobre o coração dos homens. Este grandioso dom, transforma cada coração por ele tocado e faz com que toda a Igreja esteja em comunhão com o próprio Cristo, tornando-nos capazes de assim como Ele, amar e servir nossos irmãos. É esta a principal missão da Igreja, zelar pelo homem de forma integral, não só suprindo a necessidade espiritual, como também em todos os âmbitos da vida.

     Bento XVI afirma que o amor ao próximo encontra-se enraizado desde o início da Igreja, como citado do Livro dos Atos dos Apóstolos: "Todos os crentes viviam unidos e possuíam tudo em comum. Vendiam terras e outros bens e distribuíam o dinheiro por todos de acordo com as necessidades de cada um". Este amor faz parte do que formaria o núcleo da Igreja que é o ensinamento dos apóstolos, a fração do pão e as orações. Com o objetivo de que todos tivessem o mesmo direito ao essencial e para que ninguém passasse necessidade. Apesar de, com o aumento da Igreja essa forma de comunhão não poder ser mantida, essa essência permanece até os dias de hoje. Neste contexto, nasce o "ofício diaconal", que se fez necessário para "servir as mesas", já que os apóstolos deveriam se dedicar mais precisamente a "oração" e ao "serviço da palavra". O autor destaca que este serviço era algo realmente espiritual e não meramente técnico, que para tal foram escolhidos "homens cheios do Espírito Santo", e desde então este serviço permanece até hoje na formação da Igreja.

     A caridade passa a ser tão essencial para Igreja como a administração dos sacramentos e o anúncio da palavra. Muitos foram os exemplos, dentro da Igreja, que afirmam a prática da caridade, dos quais Bento XVI destaca: Justino, santo e mártir, que em decorrência das celebrações dominicais, ocorria que as pessoas que tinham melhores condições financeiras doavam o que podiam para que com isso o Bispo pudesse ajudar as pessoas mais necessitadas naquele tempo. Também São Lourenço, que após presenciar a prisão de muitos irmãos e do Papa, foi deixado livre para recolher os tesouros da igreja e entregá-los as autoridades da época e no entanto distribuiu tudo o que tinha guardado para a assistência aos mais necessitados, apresentando-os como verdadeiro tesouro da Igreja. A "diaconia" serviço diretamente relacionado a caridade, passa a ser documentado em Roma a partir dos séculos VII e VIII, mas esse tipo de serviço faz parte da Igreja desde sua origem. Muitos escritores afirmavam que a caridade desempenhada pelos cristãos era algo que chamava a atenção até mesmo dos pagãos. Como a exemplo do Imperador Juliano, o Apóstata, que após presenciar o assassinato de seu pai e outros familiares por guardas do palácio real, teve uma visão negativa do cristianismo, pois passou a acreditar que o responsável por isso era o imperador Constâncio, o qual passava-se por um bom cristão. Para se vingar, quando se tornou imperador esforçou-se por instaurar novamente o paganismo, usando como modelo o cristianismo e principalmente a atividade caritativa, algo que segundo ele era o que tinha dado fama aos "galileus", e por isso deveria superá-los. O que demonstra mais uma vez a caridade como característica principal da Igreja. Neste sentido, Bento XVI afirma que a Palavra de Deus, os Sacramentos e o Serviço da Caridade são o tríplice dever da Igreja,que estão interligados um ao outro e que a Igreja é a família de Deus no mundo, por isso nenhum de seus membros deve passar necessidade daquilo que é necessário.E não só estes como todos os que encontrarmos necessitados, como diz a parábola do Bom Samaritano(Lucas 10,31).

     No tocante a justiça e a caridade, levantou-se um pensamento contrário as atividades caritativas, que afirmava que os pobres não precisavam de caridade e sim de justiça, isso reforçado pelo pensamento Marxista. Sendo necessário que fosse criado uma ordem que garantisse que todos tivessem direito a mesma quantidade de bens, para que não precisassem de ações de caridade. Com a formação da sociedade industrial, o poder foi dado a poucos e as massas operárias passavam por uma privação de direitos. Diante destes problemas desenvolveu-se a Doutrina Social Católica, que veio de encontro a esta problemática através de diversos documentos para auxiliar nesse processo.O autor destaca que é essencial para o cristianismo diferenciar o Estado e a Igreja: "O Estado não pode impor a religião, mas deve garantir a liberdade da mesma e a paz entre os aderentes das diversas religiões; por sua vez, a Igreja como expressão social da fé cristã tem a sua independência e vive, assente na fé, a sua forma comunitária, que o Estado deve respeitar". E é nesse contexto que o objetivo da Doutrina Social Católica é auxiliar na purificação da razão, para que todos que compartilham da fé possam colocar em prática aquilo que lhe é próprio. Não cabe a Igreja tomar do Estado o dever de tornar a sociedade o mais justa possível e sim auxiliar, através de um olhar espiritual aquilo que é de sua responsabilidade. A sociedade justa não pode ser responsabilidade da Igreja, pois isso é papel da política, porém cabe a ela auxiliar na compreensão e vontade do que a política exige. Bento XVI afirma ainda que o amor sempre será necessário, mesmo que o Estado conseguisse tornar a sociedade o mais justa possível, o amor jamais deixaria de ser essencial, pois o homem sempre necessitará, seja do cuidado ou mesmo da ajuda concreta das mais variadas formas. A visão de que através do pleno comprimento da justiça as obras de caridade não mais seriam necessárias é uma visão materialista do homem que desfigura seu real valor, pois o ser humano não necessita apenas do material, não só do cuidado com o corpo como também do espírito, e é essa a missão da Igreja através do amor inspirado pelo Espírito Santo. Os fiéis leigos são chamados a participar da vida publica e a buscar sempre o bem comum, como forma de viver a caridade também na sociedade.

     Em relação as muitas estruturas caritativas na atualidade, o autor discorre a respeito do quanto através dos meios de comunicação a miséria humana tem sido cada dia mais conhecida, não só a material como a espiritual, o que torna ainda mais necessário que cada ser humano se esforce em sair de si e ir de encontro a quem mais precisa. Bento XVI destaca a importância da união de muitas estruturas estatais e eclesiais, pois através do amor cristão a Igreja pode contribuir com a transformação da sociedade civil para que se viva o verdadeiro sentido da caridade. Há diversos serviços caritativos e também filantrópicos, onde inclusive muitos jovens se tornam voluntários para ir de encontro aos que mais precisam. Ele confirma a importância de todas essas formas de atividades caritativas na Igreja Católica e em outras Igrejas e Comunidades Eclesiais, já que se unem as obras de caridade e a evangelização, e assim como afirmou o Papa João Paulo II, a igreja deve ajudar desde que todas busquem esse mesmo objetivo, enxergando o homem como imagem e semelhança de Deus, dar a cada um o direito a um vida digna.

     Em relação ao perfil da atividade caritativa na Igreja, Bento XVI escreve que as mais diferentes organizações que vem sendo criadas mundo a fora são consequência do amor que o próprio Senhor imprimiu no coração do homem. Porém ganha ainda mais força pela presença do Cristianismo, que ultrapassa os limites da fé cristã e se espalha por todo o mundo, e por isso a caridade cristã deve ser vivida plenamente para que não perca sua verdadeira essência tornando-se apenas um assistencialismo. Nesse aspecto a caridade cristã é uma resposta a necessidade do outro, seja esta qual for. No caso do cuidado com os doentes se faz necessária a competência, para que esses profissionais cumpram com responsabilidade seus deveres. Mas acima disto precisam tratar com atenção e humanidade a quem necessita. Dessa forma é necessário a "formação do coração", para que além do profissionalismo haja o amor resultante do encontro pessoal com Cristo, que transborda dos corações que experimentam essa alegria e atinge a vida do irmão, deixando de ser algo imposto e se tornando consequência daquele amor que é vivido no intimo do coração. A caridade cristã não deve ter relação com ideologias e partidos, visando ideias progressistas como defende a teoria Marxista, que afirma que a caridade contribui para o empobrecimento do povo e esta é vista como um empecilho para a prática de suas ideias revolucionárias. Não se pode esperar um mundo melhor deixando de fazer o bem por um momento, pelo contrário, é necessário ir de encontro a necessidade do outro. Independente de programas e ações planejadas, é preciso ter um coração que sente pelo outro e está sempre disposto a ajudar. Ressalta ainda que os atos de caridade não devem visar a conversão do outro, o que define-se por proselitismo, pois o amor é gratuito. Isso não significa que é preciso deixar Deus de lado, mas que é através do amor em sua verdadeira essência que o homem conhece verdadeiramente a Deus e é levando esse amor, que leva-se a conhecer o próprio Senhor, que por vezes em razão de sua falta está a raiz do sofrimento. Faz-se necessário que cada cristão seja verdadeira testemunha de Cristo na vida dos irmãos.

     Bento XVI destaca ainda que o responsável pelas atividades caritativas na Igreja é a própria Igreja, iniciando pelas Paróquias, Igrejas Particulares até chegar a Igreja Universal. Sua missão como "família de Deus" é ir ao encontro de todos que se acharem necessitados de ajuda, mesmo aqueles que estão fora dela. No que trata do papel dos missionários, já ficou bem claro que estes não devem se deixar levar por ideologias para mudar o mundo e sim deixar-se guiar pela fé. É necessário ter um coração transformado por Deus, a partir da experiência de seu amor, que irá refletir na vida dos irmãos, doando sua vida em favor dos outros gratuitamente, a exemplo do próprio Cristo. Nesse sentido a Igreja católica deve instruir o missionário a colaborar com outras organizações nas mais diversas necessidades, desde que estas tenham como critério o serviço de Cristo a seus discípulos. A caridade não deve ser apenas uma atividade, mas nela deve está presente o amor pelo ser humano, que é nutrido no encontro com Deus. Servindo desta forma adquire-se a virtude da humildade, enxergando que apesar da condição que o outro se encontra, isso não faz superior aquele que ajuda, pelo contrário é graça de Deus poder ajudar, sabendo que muitas vezes não temos nada para oferecer de bom, reconhecemos que somos apenas "servos inúteis" e que precisamos fazer o que nos for possível e Ele cuidará do resto. A infinidade de necessidades no mundo pode levar  o homem a dois extremos: Querer encontrar a solução para todo problema, na intenção de resolver tudo que o governo humano não pode resolver e que muitas vezes ao invés de resolver, atrapalha ainda mais. Ou cair na tentação de achar que nada do que fizer vai adiantar, deixando de fazer aquilo que lhe é possível. A oração é o meio que é capaz de orientar o caminho certo a seguir. Como afirma o autor:"Quem reza não desperdiça o seu tempo, mesmo quando a situação apresenta todas as características duma emergência e parece impelir unicamente para a acção". Ele cita como exemplo a Santa Madre Teresa de Calcutá, que testemunhou em sua vida a fonte inesgotável do amor ao próximo através da oração.O cristão que reza salva-se de "doutrinas fanáticas e terroristas" e evita-se que este queira tornar-se juiz de Deus, acusando-o por deixar que a humanidade sofra e questionando sua vontade.Mesmo muitas vezes não compreendendo, não acreditamos que Ele seja indiferente as dúvidas e incertezas que surgem pelo caminho, mas permanecemos confiantes no seu amor por cada um de nós. 

     Por fim, Bento XVI afirma que: "A fé, a esperança e a caridade caminham juntas".  A esperança nos fortalece perante as dificuldades, para que perseveremos no caminho que o Senhor nos aponta. A fé nos convence do amor de Deus, que foi capaz de entregar seu filho único por cada um de nós. É através da fé em Nosso Senhor, que cremos que Ele sempre vencerá; por mais difíceis que sejam as situações aos nossos olhos humanos temos a firme esperança que Deus reina sobre todas elas. A fé nos faz crer que: "O amor é possível, e nós somos capazes de o praticar porque somos criados à imagem de Deus". O autor nos indica o exemplo dos santos, que através de sua vida e de seu testemunho nos dão esta certeza. Acima de todos estes encontra-se Maria, mais perfeito exemplo de amor e santidade. Que possamos nos confiar a ela, para contarmos com seu auxilio na busca da verdadeira caridade.


Referência: https://www.vatican.va/content/benedict-xvi/pt/encyclicals/documents/hf_ben-xvi_enc_20051225_deus-caritas-est.html

quarta-feira, 16 de junho de 2021

Canonização do Padre Pio

Há 20 anos os filhos espirituais do Padre Pio estavam em festa com a sua canonização, um reconhecimento público do exercício de suas virtudes heróicas conforme diz, a Constituição Apostólica - Divinus Perfectionis Magister.


Cerca de trezentas mil pessoas estiveram presentes na Praça São Pedro, quatro mil ônibus e cinquenta trens especiais transportaram fiéis de todo o mundo para a Celebração Presidida pelo Santo Padre João Paulo II, conforme reportagem da Folha(https://www1.folha.uol.com.br/fsp/mundo/ft1706200207.htm).


Na dia seguinte à sua canonização, o Santo Padre João Paulo II disse que: "Acima de tudo, ele foi um religioso que sinceramente amou Cristo crucificado... Ele participou no mistério da Cruz."


20 anos depois da sua canonização a devoção a esse grande santo cresce mais e mais, inspirando apostolados, comunidades e grupos em geral e frutos de conversão e milagres são cada vezes mais testemunhado pelos fiéis. Que São Padre Pio nos ajude na caminhada rumo ao Céu! 

São Padre Pio, rogai por nós.

Autor: Darlan Dias.

Referências:

https://www1.folha.uol.com.br/fsp/mundo/ft1706200207.htm

Constituição Apostólica – Divinus Perfectionis Magister

https://www.vatican.va/content/john-paul-ii/pt/homilies/2002/documents/hf_jp-ii_hom_20020616_padre-pio.html

sexta-feira, 11 de junho de 2021

CARTA ENCÍCLICA: "DEUS CARITAS EST"- BENTO XVI

A UNIDADE DO AMOR NA CRIAÇÃO E NA HISTÓRIA DA SALVAÇÃO (Parte I)


     Em sua primeira Encíclica, escrita no início de seu pontificado no ano de 2005, o então sucessor de Pedro, Bento XVI, nos traz uma importante reflexão sobre o amor de Deus, que é a essência de nossa caminhada cristã.

     Iniciando essa reflexão, o Sumo Pontífice cita o versículo que se encontra no evangelho de João, capitulo 6:"Deus amou de tal modo o mundo que lhe deu o seu Filho único para que todo o que n'Ele crer (...) tenha a vida eterna"(Jo 3,16). Segundo ele, o que antes era rezado constantemente pelos israelitas apenas como um mandamento, "Amarás ao Senhor, teu Deus, com todo o teu coração,com toda a tua alma e com todas as tuas forças"(Deut 6, 4-5), agora em Jesus e por Ele se personifica no próprio amor que vem ao mundo para salvar a humanidade.

     Neste sentido, Bento XVI vem nos apresentar nesta primeira parte de sua encíclica a verdadeira essência do amor divino, dom gratuito de Deus, para que possamos também nós, nos esforçarmos em corresponder ao seu amor.

     Iniciando sua reflexão, destaca-se a utilização da palavra amor nos dias atuais, que é utilizada de diversas maneiras mas que nem sempre denota o mesmo significado. Neste aspecto surge a dúvida: Será que todas as formas de amor são a mesma, ou será que nós estamos utilizando desta palavra para descrever realidades diferentes? O termo EROS, utilizado apenas duas vezes no antigo testamento Grego, refere-se mais precisamente ao amor entre homem e mulher, PHILIA é utilizado para designar o amor entre amigos e ÁGAPE, o amor incondicional. Este ultimo foi melhor favorecido por representar algo singular em relação aos demais.

      No entanto, mais precisamente durante o iluminismo, foi-se gerando um pensamento radicalista de que o cristianismo teria destruído o "EROS". No período que antecede ao cristianismo, os gregos e diversas outras culturas, tinham uma visão distorcida do EROS, como algo que retirava o homem de sua humanidade e fazia com que este, em nome de uma certa loucura divina pudesse ter uma experiência sobrenatural com o Divino. Destes surgiram formas de religião que atentavam gravemente a fé no único Deus, divinizando o EROS e pervertendo seu real significado, já que nos cultos buscava-se este êxtase espiritual através de prostitutas que serviam de instrumentos para este fim, que não eram deusas, sendo utilizadas apenas como objetos. Vemos claramente uma perversão da religiosidade, já naqueles tempos, que foi fortemente combatido pelo Antigo Testamento. Fica claro que o verdadeiro sentido do amor EROS, não é algo puramente instintivo, mas sim racional, que passa pela renuncia e purificação, para ser vivido em sua essência verdadeira, pois se vivido de forma desordenada não leva ao Divino e sim a queda, como afirma Bento XVI. O autor afirma ainda que a vivência plena do amor EROS é atingida quando corpo e alma estão fundidos em unidade, pois o homem que renega o espírito e busca apenas o que é carnal esta incompleto, assim como o que apenas considera o espírito e despreza a carne, pois segundo ele, nem espírito nem corpo amam sozinhos, é preciso essa unidade para que o EROS possa ser amadurecido plenamente. Sempre houve erroneamente o pensamento de que o cristianismo é contrário a corporeidade. Mas na verdade o erro está em exaltar o corpo, o que muitas vezes acaba como que degradando o seu real valor. Pois este passa a ser visto como um objeto, do qual muitas vezes e em especial nos dias de hoje, serve apenas para se tirar algum proveito. 

     O cristianismo enxerga no ser humano não somente o corpo, como puramente matéria, mas também o espírito, que juntos fazem com que se possa experimentar verdadeiramente o divino, desde que trilhemos esse caminho de renuncia e mortificação, para a purificação necessária. Para esta purificação, segundo o autor, é necessário que o amor vá amadurecendo até chegar ao seu mais alto nível:"o amor visa eternidade". Este está disposto ao sacrifício, a renuncia de si mesmo em função do outro. A exemplo de Jesus que morreu por amor a humanidade, onde ai se alcança a plenitude. 

     Vemos constantemente esta contraposição entre o amor EROS e ÁGAPE, sendo o primeiro como mundano e o segundo como divino, mas que estão sempre unidos. Se as relações humanas permanecem no EROS (fechando-se em função de si mesmos), de fato elas se destroem, mas se a medida que esse amor vai amadurecendo, este aproxima-se do ÁGAPE (doar-se ao outro) permanecendo nesta unidade, o amor é capaz de experimentar o seu verdadeiro sentido. Porém para dar amor é preciso primeiramente recebê-lo daquele que é a fonte do amor verdadeiro, Jesus Cristo,"cujo coração trespassado brota o amor de Deus", como afirma Bento XVI. Entende-se ainda que o amor é algo único, composto de duas realidades que se fundem, as quais estão presentes no ser humano, aceito por completo para que nessa busca constante do amor seja purificado.

     Em um segundo aspecto, o então sucessor de Pedro, trata de questões relacionadas a fé bíblica, já que principalmente com a cultura grega havia ainda a confusão entre os vários deuses e o único Deus. Fica claro que só há um único Deus, capaz de criar todas as coisas e que ama o homem com amor singular. Este que elege Israel, e através deste, toda a humanidade. Que ama sem esperar nada em troca, capaz de perdoar, que tem pelo seu povo um amor apaixonado . 

     Partindo da criação do homem (Gn 2,23), entende-se que o EROS está de certa forma relacionado a união entre o homem e a mulher (matrimonio) que os torna um só para sempre, fazendo uma alusão ao relacionamento de Deus com seu povo. Tratando-se do amor encarnado de Deus, Jesus Cristo, o autor destaca ainda a importância de toda a escritura, pois o Deus de quem se fala no Antigo Testamento, assume agora forma humana no Novo Testamento e vem para revelar o amor em sua "forma mais radical", a morte de cruz. Nosso Senhor mostra-nos sua forma de amar através do Santo Evangelho, como os exemplos já citados nesta carta: "o pastor que vai atrás da ovelha perdida, da mulher que procura a dracma, do pai que sai ao encontro do filho pródigo e o abraça, não se trata apenas de palavras, mas constituem a explicação do seu próprio ser e agir".

     Neste amor, quis o Senhor perpetuar sua presença no meio de nós através da Sagrada Eucaristia. Tornando-se verdadeiro alimento, Ele desce até nós para nos elevar. O que antes era apenas estar na presença de Deus, torna-se agora verdadeira união com o próprio Cristo. É esta união com Deus e com todos os cristãos, pois esta comunhão nos retira de nos mesmos e nos impulsiona a viver o mandamento em sua plenitude, já que neste sacramento Deus nos ama, para que aprendamos d'Ele como amar nossos irmãos.

     Recordando a parábola do bom samaritano, o autor destaca a missão da Igreja de sempre enxergar a necessidade do "próximo", que antes referia-se ao estrangeiro que passava a fazer parte de uma determinada comunidade, mas que agora se estende a todo aquele que necessita de ajuda, sendo que cabe a cada cristão estar sempre disposto a ajudar. Compete a cada um de nós enxergar no irmão o próprio Cristo, que se encontra necessitado, desprezado e esquecido e assim cumpriremos com o mandamento do amor a Deus e aos irmãos. 

     Este duplo mandamento torna-se indivisível, assim como enfatizado nesta carta: "Se alguém disser: "Eu amo a Deus", mas odiar a seu irmão, é mentiroso, pois quem não ama a seu irmão ao qual vê, como pode amar a Deus, que não vê?"(I Jo 4,20). Não quis o Senhor exigir este amor, mas Ele nos torna capazes de corresponde-lo. E para isso nos deixa o caminho do amor ao próximo, pois está tão diretamente ligado ao amor a Deus, que através deste dom encontramos no outro o próprio Deus a quem dificilmente conseguiríamos encontrar se não trilhássemos este caminho.

     Ninguém jamais viu a Deus, porém Ele não foi completamente invisível a nós, pois por seu amor, encarnou-se em Jesus Cristo e nele pudemos contempla-lo. Deus se fez presente em toda a história da Igreja e continua a se fazer presente em cada momento de nossas vidas, buscando nos resgatar, nos conquistar, nos trazer de volta quando estamos perdidos e é através desse encontro que podemos nos sentir amados, o que também nos torna capazes de amar verdadeiramente. Por isso o amor a Deus não se torna uma exigência e sim uma resposta.

     Bento XVI afirma ainda que "o amor não é apenas um sentimento", ainda que inicialmente seja sentido desta forma, até atingir sua verdadeira essência passa pela processo da purificação. Este é contínuo, e vai transformando o homem segundo Aquele que ele ama. Não só espiritualmente, mas em todas as áreas da vida, tornado a sua vontade cada vez mais semelhante a vontade de Deus.

     É através dessa experiência que podemos nos tornar capazes de amar até mesmo quem não conhecemos, pois esta comunhão com o próprio Deus nos faz sentir como Ele e a partir disto,o  mandamento já não é visto como uma exigência, mas a comunhão com a sua vontade nos faz compartilhar do querer de Deus. Quando estamos distantes d'Ele nem se quer enxergamos o irmão que sofre. Se ajudamos ao outro apenas para cumprir nossa obrigação, achando que estamos fazendo a vontade de Deus, nos enganamos. É necessário amar com o amor que o próprio Deus nos ama. Já que é desse amor que é derramado no íntimo dos nossos corações que nasce o desejo de compartilhar este dom com os irmãos.


FONTE:https://www.vatican.va/content/benedict-xvi/pt/encyclicals/documents/hf_ben-xvi_enc_20051225_deus-caritas-est.html


AUTORA: IVANA MARÇAL BRASIL