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sábado, 13 de fevereiro de 2016

Por que encontro entre o papa e o patriarca russo é histórico? Porque foi em Cuba?

Esse foi o primeiro encontro entre os líderes de dois dos principais ramos do cristianismo desde sua separação, no ano de 1054.O interesse de Francisco no encontro era sabido desde novembro de 2014, quando, regressando de uma viagem a Istambul, ele revelou que havia falado com Kirill por telefone e dito: “Irei onde você quiser. Chame que eu vou”..

Mas por que os dois líderes religiosos decidiram se encontrar em Havana, a capital de um país que até 1992 era oficialmente ateu e que é também a nação com menos cristãos na América Latina?

Um destino conveniente


John Allen, editor associado da publicação Crux, do jornal Boston Globe, e autor de dez livros sobre o Vaticano e temas ligados ao catolicismo, afirma que a escolha do destino ocorreu em parte por acaso, mas também em certa medida por estratégia.

“A parte da sorte tem a ver com o fato do patriarca russo ter previsto viajar a Cuba ao mesmo tempo em que o Papa Francisco ia ao México, e assim era prático para ambos se encontrar ali”, disse Allen à BBC Mundo.

Mas ele afirmou que o componente estratégico está relacionado ao fato de que a relação entre as duas Igrejas é muito influenciada pela história europeia.

“Essa relação precisa de um novo começo. Por causa disso, a reunião não poderia ocorrer na Europa nem nos Estados Unidos. Cuba é uma grande escolha porque é amigável com a Igreja Católica, porque historicamente foi um país católico, mas também para a Rússia, porque foi o aliado mais próximo de Moscou no continente americano”, afirma.

Território neutro


O porta-voz do patriarcado de Moscou da Igreja Ortodoxa Russa, Vakhtang Kipshidze, afirmou que a ilha é “território neutro”.

“Cuba é ideal porque é um país principalmente católico que tem uma comunidade minoritária ortodoxa em Havana. É um lugar hospitaleiro para todos. Pelo contrário, a Europa está ligada a experiências negativas e dramáticas para ambas as comunidades religiosas”, disse à BBC Mundo.

Essa opinião é compartilhada pelo porta-voz do Vaticano, o padre Federico Lombardi. Ele afirma que é mais fácil que o encontro ocorra fora da Europa.

“No passado, esse encontro foi tentado, sem sucesso. No tempo de João Paulo II e do patriarca Alexis II diferentes locais foram cogitados na Europa, que é um continente muito complexo e com grande densidade histórica”, afirmou à BBC Mundo.

Para John Allen, o fato de Cuba ser conhecido como um país majoritariamente secular contribui para sua imagem de território neutro. “Encontrar-se lá não significa uma vitória do papa nem do patriarca. Resulta simplesmente em ser um lugar conveniente para ambos”, afirma.

Por sua vez, o governo cubano de Raul Castro sai ganhando, segundo analistas. Para Victor Gaetan, correspondente do jornal católico “National Catholic Register” e colaborador da revista “Foreign Policy”, o encontro posiciona Havana “como um mediador entre o Ocidente e a Rússia”.

Ted Piccone, analista do programa sobre América Latina do Instituto Brookings, um centro de estudos americano, também diz que o encontro ajudará a melhorar a imagem de Cuba no exterior.

“Cuba precisa reconstruir seu capital no exterior agora que já não pode se limitar a simplesmente queixar-se dos Estados Unidos. (O país) quer projetar a imagem de que é um conciliador diplomático neutro, como fez no caso das conversas de paz entre a Colômbia e as Farc (Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia)”, disse à BBC Mundo.

De acordo com ele, a situação oferece vantagens a Havana em meio a um momento difícil. “Havana tem que encontrar outras formas de captar a atenção internacional porque precisa de toda a atenção da mídia que puder obter, dado que a situação econômica não é boa e a Venezuela está mais fraca a cada dia. Cuba tem que diversificar seus vínculos com outros países”, disse.

Afastamento e rivalidade


Nos últimos anos as tentativas de aproximar as duas Igrejas foram dificultadas pela desconfiança mútua.

Os ortodoxos se ressentem, entre outras coisas, da suposta expansão do catolicismo em áreas que antes faziam parte da União Soviética.

Eles também se opõem ao papel que a Igreja Católica vem exercendo na Ucrânia, especialmente pelo que consideram posturas pró-ocidentais e antirrussas.

Mas, por que as Igrejas Católica e Ortodoxa estão afastadas há mil anos?

Em 1054, o Papa de Roma e o patriarca de Constantinopla se excomungaram mutuamente, dando início ao que se conhece como o grande cisma do cristianismo – que persiste até hoje.

Mesmo antes disso perdurava um distanciamento cultural. Na Igreja do Ocidente se falava o latim, enquanto no Oriente bizantino prevalecia a cultura helenística grega. Além disso havia grandes diferenças doutrinárias, como sobre a natureza do Espírito Santo.

Outra diferença fundamental é o modo como as duas igrejas entendem a função de seu mandatário.

Na Igreja Católica o Papa é a máxima figura de autoridade.

Já a Igreja Ortodoxa está dividida em patriarcados entre os quais existe uma igualdade. O de Istambul, com 10 mil fiéis, tem certa preeminência, mas não possui jurisdição sobre toda a Igreja Ortodoxa. O de Moscou tem influência sobre até 200 milhões de fiéis.

Calcula-se que a Igreja Católica tenha 1,2 bilhão de fiéis.

Além disso, a Igreja Ortodoxa Russa sempre esteve vinculada com o poder, seja com o imperador, com o czar ou com o Partido Comunista. Atualmente, desde 2009, o patriarca Kirill mantém uma relação estreita com Vladimir Putin.

E a partir de agora?


A unidade do cristianismo não ocorrerá de um dia para o outro. Mas o encontro surge como uma tentativa de iniciar um processo que exigirá concessões de todas as partes.

Do ponto de vista católico, a aproximação é parte da agenda de reformas do Papa Francisco. Entre elas está não deixar que a primazia papal seja obstáculo para a unidade da Igreja.

Para a Igreja Ortodoxa o problema é inverso, devido à falta de uma liderança clara. Há 50 anos tenta-se convocar um sínodo, uma assembleia de bispos – mas não há uma autoridade central para convocá-lo.

Talvez Kirill enfrente mais pressão interna que Francisco. “As forças conservadoras em Moscou disseram que não apreciam a reunificação com o Ocidente porque isso os enfraquece”, afirma Chad Pecknold, teólogo da Universidade Católica da América, nos Estados Unidos.

Fonte: blog.comshalom.org

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